Cientistas encontraram pela primeira vez provas diretas do que um tiranossauro – muitas vezes considerado um símbolo dos predadores temíveis – realmente comeu. O conteúdo estomacal fossilizado de um membro desta família de dinossauros foi descrito em um novo estudo publicado na última sexta-feira no periódico Science Advances. A descoberta dá informações sobre a dieta do tiranossauro e o lugar do animal em ecossistemas antigos, ambos os quais anteriormente só foram levantados hipóteses.
O espécime foi encontrado Parque Provincial dos Dinossauros de Alberta, no Canadá, pelo paleontólogo Darren Tanke, preparador de fósseis do Museu Real Tyrrell de Paleontologia, localizado na mesma província. Tanke, que removeu o fóssil delicadamente da rocha em que estava envolto, chamou isso de “a descoberta de sua vida”, de acordo com o coautor do estudo, François Therrien, curador de paleoecologia de dinossauros do museu.
A importância deste achado
O estudo examina restos de dois pequenos oviraptorossauros – dinossauros emplumados com um bico desdentado – que foram encontrados no estômago de um jovem Gorgosaurus libratus, um tipo de tiranossaurídeo (essa família inclui o primo mais famoso da espécie, o Tyrannosaurus rex). Antes da nova descoberta, só haviam hipóteses sobre a dieta do tiranossauro, que eram baseadas em coisas como a estrutura do crânio e dos dentes dos fósseis, marcas de mordidas em fósseis de megaherbívoros ou fezes fossilizadas. Ossos encontrados perto de um fóssil de tiranossauro também eram interpretados como conteúdo estomacal.
As circunstâncias que podem levar à preservação do conteúdo estomacal são incomuns: um animal precisaria morrer antes da digestão completa da presa e depois ser rapidamente enterrado pela lama ou por outro meio. “Evidências diretas de dieta em dinossauros são frustrantemente raras”, diz Lindsay Zanno, chefe de paleontologia do Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte e professora associada de pesquisa da Universidade Estadual da Carolina do Norte, que não esteve envolvida na nova pesquisa.
O primo do Tiranossauro Rex e sua última refeição
O Gorgosaurus viveu no final do período Cretáceo, aproximadamente 80 milhões a 66 milhões de anos atrás. Esbelto, com pernas compridas e dentes em forma de lâminas na juventude, ele se transformava em um predador gigante na fase adulta, quase duas vezes a altura de uma girafa e pesando tanto quanto um elefante.
Essa transformação levou os paleontólogos a pensar que o animal passou por uma mudança alimentar significativa durante sua vida. Não se esperaria que um jovem Gorgosaurus atacasse os mega-herbívoros que poderia enfrentar quando adulto; presas menores fariam mais sentido.
A análise do crescimento dos ossos revelou que este tiranossauro era um jovem de cinco a sete anos e que ambas as presas haviam vivido por menos de um ano. A quantidade diferente de ácido estomacal nos restos da presa indica que os animais podem ter sido consumidos dentro de horas ou dias como refeições separadas. E o fato de que os restos incluíam pernas totalmente articuladas de dois oviraptorossauros da mesma idade, tamanho e espécie sugere que os animais eram um item de menu favorito deste tiranossauro em particular.
Tais pernas de oviraptorossauros permitiram à equipe identificar as presas como Citipes elegans — espécimes que eram “extremamente raros” em termos de sua condição relativamente intacta. “Ironicamente, o estômago do tiranossauro protegeu o Citipes, permitindo que fosse preservado — o que é bastante interessante”, diz a coautora do estudo, Darla Zelenitsky, professora associada na Universidade de Calgary. Esses fósseis de Citipes são, segundo ela, “os restos mais completos conhecidos para aquela espécie”.
O sucesso evolutivo dos tiranossauros
A descoberta também ajuda a embasar o que alguns paleontólogos acreditam ser a chave para o sucesso evolutivo dos tiranossauros: sua capacidade de ocupar diferentes nichos ecológicos ao longo da vida. Um mistério paleontológico gira em torno de uma mudança marcante nos ecossistemas do Cretáceo. Onde antes havia uma variedade de tamanhos e espécies carnívoras, no final do Cretáceo, na Ásia e na América do Norte, havia apenas dois tipos: tiranossauros massivos e dromaeossauros muito menores (terópodes emplumados, como os do gênero Velociraptor) – e “nada no meio”, diz Therrien.
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Foi levantada a hipótese de que os tiranossauros foram capazes de ocupar todos os nichos ecológicos outrora ocupados por antigos carnívoros de médio e grande porte ao longo de seu desenvolvimento: os tiranossauros comeram presas menores quando eram mais jovens e passaram para megaherbívoros quando adultos. Therrien diz que eles provavelmente foram tão bem-sucedidos como espécie porque “desenvolveram a capacidade de ocupar todos esses nichos ecológicos durante sua própria vida”.
No entanto, Zanno discorda. “Na minha opinião, mudar a preferência pelas presas teria que ser algo muito difundido entre os predadores de dinossauros para explicar completamente esses fenômenos. O domínio dos tiranossauros nos ecossistemas do Cretáceo Superior é uma história complexa que ainda temos de desvendar, mas sei com certeza que é um problema que continuaremos a enfrentar nos próximos anos”, afirma.
Via ScienceAdvances e Scientific American.
Jornalista pioneiro no campo da internet brasileira, Mario Cavalcanti começou a trabalhar com conteúdo online em 1996, tendo passado por portais de destaque como Cadê?, StarMedia Brasil, iBest, Globo.com e Click21. Gosta de assuntos como mistérios, criptozoologia, expedições e descobertas científicas. É editor do portal Mundo & História.